Uma ode ao mensageiro
Enter Messenger.
LADY MACBETH
What is your tidings?
Messenger
The king comes here to-night.
LADY MACBETH
Thou'rt mad to say it!
Macbeth, parte 1, cena 5
Em uma de minhas passagens preferidas em A condição humana, Hannah Arendt fala sobre a instabilidade e mutabilidade do que denomina “teia de relações humanas”. Isto quer dizer, as relações humanas se tecem não sobre um planejamento calculado e sólido do tipo “ação e seus efeitos”, mas sobre uma extrema imprevisibilidade e fragilidade. A cada ato, a totalidade da trama entretida entre os homens se encontra em jogo. Um novo acontecimento se emite à teia de relações como um lance de dados, cujo efeito é tão imprevisível quanto o seu alcance. Como a própria Hannah Arendt ressalta, “basta um ato e, às vezes, uma palavra, para mudar todo um conjunto”.
Apesar de serem personagens secundários, os mensageiros parecem confirmar um aspecto do conceito de Hannah Arendt. Especialmente no teatro e em textos religiosos, estes personagens surgem com o propósito único de transfigurar ou desarticular as teias de que nos fala a filósofa. Criados, carteiros, ou, na forma religiosa, os anjos, são os modos mais célebres desta figura. Atualmente os meios tecnológicos praticamente aboliram esta figura do cotidiano. Não é um telegrama portado pelo carteiro que avisa sobre um novo anúncio, mas um dos meios de comunicação, especialmente o e-mail ou, mais ainda, o sms. Este último meio combina com a mensagem dos antigos personagens pela breviedade de seu conteúdo. Esta ausência de um mensageiro cria a sensação de uma comunicação direta, sem intermediário, entre as pessoas.
O momento de chegada de um mensageiro é constantemente aquele dos protagonistas ocupados com o cotidiano, ou seja, engajados em certa configuração estabelecida. Virgem Maria lia quando se depara com a chegada do arcanjo Gabriel. O simples fato deste anúncio dá início à toda a saga do novo testamento, pois comunica algo novo inserido nas relações humanas. O anjo Gabriel revela ainda a causa de ser do mensageiro. Tais personagens não expressam nada de si, pois não estão comprometidos com aquela ordem de ações. No entanto, sua virtude consiste na capacidade conferida a eles de transitar entre dois cenário incomunicáveis.
A forma mais perfeita da comunicação que trazem é uma simples frase, um telegrama ou bilhete, aquela "uma palavra" capaz de mudar um conjunto. Desta maneira, por não se tratarem propriamente dos autores de uma ação, os mensageiros não se encaixam perfeitamente na descrição de Hannah Arendt. No entanto, parece que tudo a que estes personagens foram destinados é mostrar como um pequeno fragmento de texto ou fala criam ou transfiguram uma teia de relações. A radicalidade com que os acontecimentos se desdobram após sua chegada contrasta com a brevidade de sua aparição. A fala que portam, destituída de qualquer conteúdo próprio, são, no entanto, uma bomba cujo conteúdo implode o que foi, e uma chave para o que passará a ser. É justamente a falta desta chave que torna Romeu e Julieta uma tragédia – uma simples frase “Julieta está viva” teria aberto aos personagens a possibilidade de uma nova vida.
Na grécia antiga os mensageiros tinham uma espécie particular de imunidade - a liberdade de atravessar territórios sem os riscos e obstáculos a que estavam sujeitos os demais.
ResponderExcluirNesse contexto, quando leônidas mandou matar os mensageiros persas que pediam a rendição de esparta (ao invés de mandá-los de volta com a notícia) teve início o conflito.
Wow, que máximo! Então confere isso que eu falei de poder transitar entre cenários incomunicáveis. ^_^
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