sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Die another day - a intervenção em si





Uma das ideias da Madonna que mais gosto, e talvez uma de suas imagens mais constantes, é a "intervenção". Intervir em algo é tirá-lo da rota a que naturalmente se destina, operar um milagre. Se a gente fala de uma tristeza profunda, por exemplo, a intervenção redireciona e transforma este estado em seu exato oposto.


Em geral na obra de Madonna, a intervenção se direciona da própria cantora, consciente da capacidade transformadora da música, em direção ao ouvinte - como em "Vogue", "Future lovers", "Music" e tantas outras. Temos também o sentido oposto: a de uma força externa intervindo sobre a própria Madonna. Geralmente é assim que o amor é retratado e "Like a Virgin" é o exemplo mais perfeito.

"Die another day" dá um passo bem original nesta configuração. Desta vez, a intervenção se direciona à própria pessoa que canta - não vai nem dela em direção a um terceiro - o ouvinte - nem vem de fora para tocá-la. O próprio clip ilustra isso de modo metafórico, na luta da Madonna de preto contra a de branco. Trata-se, penso eu, da lida com uma situação da qual não se pode escapar e que apenas um mergulho em suas profundezas e sombras possibilita a criação de uma rota de fuga. 

Em uma letra violenta - mas de uma violência construtiva e afirmativa -, a cantora fala em "destroy my ego", "avoid the cliche" e em "close my body". Também não deixa de ser notável sua frase irônica "Sygmund Freud, analyze this". Parece que este esforço toca o impossível: ser capaz de quebrar a subjetividade, desorganizá-la para recriá-la sob uma nova forma. Talvez não seja à toa que a turnê em que o lançamento dessa música fez parte se chama "Re-invention tour", pois é exatamente do que se trata. Ao invés de ser arrastado pela catástrofe, tem-se por tarefa autoimposta cumprir este programa: 

I think I'll find another way
There's so much more to know
I guess I'll die another day
It's not my time to go





2 comentários:

  1. A música como algo que motiva o ouvinte para a luta, que o empodera às vésperas do conflito é algo que observamos em toda a história da música, certo?
    Nos rituais africanos e indígenas, nas marchas militares e nos movimentos revolucionários.
    Seria interessante pensar o que se transforma nessa estrutura quando a encontramos na música pop de madonna (uma mulher!).
    Algo que se destaca em sua música é a individualização das mudanças, não? Antes se dirigia a exércitos, povos e multidões e hoje a cada um em suas lutas particulares e solitárias - em metáforas generalizantes que não deixam de se referir a indivíduos atomizados.
    Nesse sentido, pode ser relevante não apenas o fato de que o indivíduo como valor tem ganhado força através dos séculos mas também que a experiência de ouvir música também tem se individualizado - devido provavelmente às novas tecnlogias de produção e reprodução (rádio, disco, cd, fones de ouvido).
    o que você acha?

    ResponderExcluir
  2. É sim, concordo com o que vc falou. Os meios de reprodução influenciaram muito nisso, eu acho. Antes era música em sala de concerto ou em espaço de festas. Depois foi pra dentro de casa, pra uma família, e hoje em dia é no fone de ouvido!

    Tem uma coisa que eu acho interessante relacionado a isso que vc falou, ao menos se a gente pensar na cultura ocidental: na música grega havia a concepção de uma propriedade ética na música. Ou seja, uma música tocada em tal escala produziria necessariamente como resultado um espírito guerreiro ou melancólico. É mais fácil pensar assim numa música de efeito coletivo, né?

    Hoje em dia tem-se mais a impressão de que o efeito da música é cultural e tb subjetiva.

    ResponderExcluir