sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Hips don't lie - uma semiologia da paquera



Uma das minhas frases preferidas do Shakespeare está em Macbeth, e diz: There's no art to find the mind's construction in the face. A ironia está em ser em ser dita pelo rei Duncan, a própria vítima daquilo que constata. O que isto quer dizer? O corpo, e, principalmente, o rosto, a princípio expressam espontaneamente pensamentos ou estados de espírito - se estamos à vontade com alguém, isso transparece no tom da fala, expressão do rosto, gesticulação, etc. No entanto, a constatação do rei Duncan é a de que não existe técnica ou meio de saber o que se passa na mente alheia. Isto porque os atos, pensamentos, ou seja, as verdadeiras intenções são passíveis de camuflagem, de equívocos, de dissimulações. A culminância desta problemática aparece na peça quando a Lady Macbeth repreende seu marido por deixar transparecer no rosto o repúdio ao assassinato que cometerá: Your face, my thane, is as a book where men may read strange matters. O que eu acho de absolutamente gostoso dessas questões do Macbeth - e o modo do Shakespeare de tratá-la - é colocar o corpo como um emissor de signos. É constante, tanto em Macbeth, quanto em outras peças, esta legibilidade do espírito pelo corpo, às vezes de modo equívoco, às vezes certeiro, porém sempre ambíguo.

Hips don't lie (independente de ter sido ou não inspirada nela) parece partir de algo parecido ao que acontece na peça do Shakespeare: a legibilidade duvidosa do pensamento nas ações do corpo. Existem poucas coisas onde isso transpareça melhor do que na paquera. Um dos momentos mais “dramáticos” da paquera é a busca de signos que demonstre uma correspondência de sentimentos. E mesmo que eles apareçam, fica a pergunta: “foram eles realmente ancorados num interesse?”, “será que foi intencional”, “foi apenas um blefe”? Ou seja, quanto a esta última questão, ainda fica a pergunta se o eventual interesse é mentiroso.

A cena de Hips don't lie música é muito simples: um homem e uma mulher dançando em frente ao outro numa festa e rolando aquela paquera. A nossa Shakira é rápida em ressaltar que quadris não mentem. É divertido contrastar esta fala ao “no art to find...” pronunciado pelo rei Duncan. O rosto pode camuflar e mentir, as mãos podem mentir, o olhar pode mentir, assim como a fala: mas os quadris - ao menos os de Shakira - emitem signos verdadeiros. Colocar esta ressalva de conforto ao paquerador assegura que aquilo que ele "lê" no corpo dela demonstra um real interesse. Gosto muito de visualizar esta cena, a do corpo como elaborador de discurso, e sendo lido como um livro:

Oh baby when you talk like that
You make a woman go mad
So be wise and keep on
Reading the signs of my body

Resumo da história: vai fundo, Wyclef!






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