sábado, 22 de outubro de 2011

Like a virgin - a estrutura de um milagre

Como comentei sobre "die another day",  considero a ideia de intervenção o fio condutor de toda a discografia de Madonna. Presente já em Holiday, do primeiro álbum da cantora, à Celebration, última música lançada numa recente coletânea, encontramos persistente o intervir como o motor dos temas tratados. Este monotematismo poderia cair numa repetição, não fossem as diversas configurações e possibilidades desdobradas (é claro, somado a isto, há ainda outros temas que aparecem). Ainda no post sobre Die another day, eu havia mencionado dois vetores pelo qual a intervenção opera em Madonna: da cantora em direção ao ouvinte, mas também dela em relação a si própria. Mas há ainda, de maneira recorrente (já em lucky star, do primeiro álbum), uma terceira espécie de intervenção, cuja origem advém de uma força externa. 



Não por acaso este motor funciona de modo semelhante na religião (like a prayer) e no amor. Integrante à ideia de intervenção, deve ser entendido o seu modo de operação - retirar algo de seu curso natural. Na música da Madonna intervir se faz desta maneira, visivelmente em concordância com o milagre da religião - a realização do impossível.
 Talvez a referência que mais se assemelhe a isto seja a passagem bíblica da ressurreição de Lázaro por Jesus Cristo. Este famoso personagem havia morrido quatro dias antes, até ser ressuscitado  por Jesus:

João 11:43 E, tendo dito isso, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora!
João 11:44 Saiu o que estivera morto, ligados os pés e as mãos com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. 




    Like a virgin funciona como exemplo emblemático desta estrutura. Seu enredo descreve uma amante exaltando o encontro com um novo amor. Já no primeiro verso, há a nítida caracterização de uma mudança radical provocada pelo encontro: 

I made it through the wilderness
Somehow I made it through
Didn't know how lost I was
Until I found you

 Que tendência há em estar perdido, a não ser permanecer neste estado? A contraposição entre o achado e o perdido remete às canções religiosas dos spirituals americanos, como na célebre amazing grace (I once was lost, but now I'm found).  O found da música se expressa de maneira muito interessante. O "shiny and new" da cantora a faz sentir a like a virgin. Essa metáfora é extremamente rica, pois serve num duplo registro. Há a nítida provocação sexy, de evocar uma virgem a ponto de ser deflorada. Aqui ela se encaixa bem neste lado da cantora. No entanto,  há ainda uma caracterização espiritual. A virgindade, tradicionalmente entendida como o símbolo da pureza, é o new state of mind da amante, e talvez não seja descabida aqui uma comparação com a própria Virgem Maria. Uma transformação radical (e anteriormente imprevisível! ) ocorre, e sua força é sintetizada nessa bela passagem:

Make me strong, yeah you make me bold
Cause your love thawed out
Yeah, your love thawed out
What was scared and cold


Um comentário:

  1. Uma particularidade interessante do milagre nessa musica e o fato dele ser SENTIDO, enquanto milagre classico (biblico) e o milagre VISTO.

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