Até onde sei (posso estar errado, obviamente), Björk representa um caso único na música pop. Não que o tema seja novidade para a pintura, poesia, filosofia e cinema, mas, em sua área, a cantora parece se engajar sozinha num difícil e essencial esforço: abrir possibilidades de expandir a experiência humana. Mesmo não vendo isso pejorativamente, há uma muito sedimentada associação na cultura popular da música como instrumento de expressão – seja pessoal ou coletiva (canções de amor, protesto, religiosas, etc).
Poderíamos nos perguntar: mas como seria possível atingir algo além do humano? E para que? O poeta Francis Ponge construiu toda a sua poesia em cima deste questionamento. Sua obra se volta para aquilo que não é humano, mas, no entanto, nos cerca: flores, insetos, a água, etc. Aprendemos com a poesia de Ponge, no entanto, que uma total saída do humano seria uma ilusão, mas aproximações são possíveis. O humilde esforço de alguém consciente de suas limitações significa alcançar o que é estranho ao nosso entendimento e, não apenas conhecê-lo, mas apreender diferentes maneiras de ver o mundo e mesmo de viver. A dimensão estética se torna assim uma atividade de conhecimento e ética.
Chegar perto da natureza e atividade dos cristais. Assim se coloca a proposta de Björk em Crystilline.
Chegar perto da natureza e atividade dos cristais. Assim se coloca a proposta de Björk em Crystilline.
A música possui dois pólos nitidamente contrastantes: algo como uma serenidade inicial, estranhamente finalizada na violência energética de uma batida drum n' bass. Há algo que explique este momento inicial – significa a abertura ao mundo, o que requer humildade e um olhar sereno para as coisas. Assim, o que vemos de início é a atitude de alguém atento às manifestações da natureza:
Underneath our feet
Crystals grow like plants
Listen how they grow
Esta atitude de abertura ao mundo está explicitada desde All is Full of Love, em que a cantora encontra um amor cósmico vibrando em todas as coisas. Há algo em Crystilline, no entanto, que dá um passo além deste contato com o mundo. A artista quer não apenas ser afetada por esta energia, como alcançá-la em seu fluxo. “To reach love” - este verso da composição desvenda o seu movimento.
Deste modo, à escuta atenta às vibrações da natureza se contrapõe o desejo de torná-las palpáveis. É aí que entra a atividade do artista-músico, papel assumido por Björk: captar a energia pulsante dos cristais, materializar sua mudez em sons.
Mas por que o caminho para isto insiste em “conquer claustrophobia”? Porque a tentação de um antropomorfismo deve ser superado. Um ser humano pode sentir um incômodo ao imaginar algo ativo nas entranhas da terra. No entanto, para o cristal, este é o seu campo de atividade, o seu habitat.
Mas por que o caminho para isto insiste em “conquer claustrophobia”? Porque a tentação de um antropomorfismo deve ser superado. Um ser humano pode sentir um incômodo ao imaginar algo ativo nas entranhas da terra. No entanto, para o cristal, este é o seu campo de atividade, o seu habitat.
A força de tal empenho finaliza-se no maravilhoso verso final, em que vemos justificada o contraste com o restante da peça:
It's the sparkle you become
When you conquer anxiety
Há uma violência pulsante na conclusão, pois o que Björk encontra não é apenas a beleza dos cristais, mas o seu núcleo, essência ou verdade. A composição, iniciada por um espectador frente a estes minerais - "listen how they grow" -, termina como que do outro lado, operando a recriação deste som. Atingir o coração da atividade dos cristais significa não apenas possuir dele uma experiência estética, mas, em certa medida, transmutar-se nele por um instante, englobar em nossa dimensão humana sua energia criadora. It's a sparkle you become
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