quinta-feira, 22 de março de 2012

Uma revelação

É curioso quando algo tomado por conhecido e inteiramente apreciado revela uma nova dimensão, ainda desconhecida de nós. Tive uma revelação desse tipo ao assistir "Pina" ontem. Há um bom tempo sou  fã de Stravinsky. Tenho sua obra quase completa e gosto de praticamente tudo. Mas tive o privilégio de adotar uma nova perspectiva sobre "Sagração da Primavera", sua obra mais conhecida. Fico agora pensando o quanto ela é importante para a escuta da obra. Aliás, o que me impedia de enxergar esta nova dimensão foi justamente experienciar a "Sagração" como escuta pura, não me dando conta do quanto ela é corpo. 
  A chamada música erudita ocidental foi concebida durante um bom período como uma aventura puramente intelectual, ou do espírito. Obviamente há exemplos que provam o contrário, e, inclusive, músicas feitas para a dança. Mas se nos voltarmos ao balé clássico (sem querer desmerecê-lo, naturalmente, mas apenas apontar uma diferença), suponho haver em sua estrutura algo estranhamente mais próximo da escuta pura do que do corpo. Parece que o principal esforço da dança clássica é justamente o de operar uma afirmação do espírito sobre o corpo. O que seriam os inumanos esforços de vitória sobre a gravidade do que uma tentativa de espiritualizar o corpo, torná-lo leve, livre de sua massa material? 
 "Sagração da Primavera", foi o que me dei conta ontem, realiza justamente o contrário. A coreografia de Pina Bausch me revelou o quanto a composição de Stravinsky afirma o peso e a força do corpo. Os saltos não tentam oferecer a impressão de leveza, mas afirmam incessantemente a gravidade. Não é à toa que a coreografia é mais tribal do que "européia" - esta afirmação do corpo é feita de maneira escandalosa, bruta. Assistindo à coreografia me lembrei na hora do famoso quadro de Picasso, que acho que afirma algo parecido. 

Abaixo vão trechos de duas coreografias diferentes para "Sagração", uma delas feitas na própria época de lançamento. 






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